15.1.2016
500 papéis de bala. Muito lixo, não? Não! Um tesouro valioso para uma criança de sete anos que cresceria apaixonada pela arte de colecionar os mais variados objetos. O hobby de Joner de Lima Dias “prata da casa”, formado em Design no ano de 2007, que voltou em 2015 para o Curso - agora como professor - virou objeto de estudo em suas pesquisas da especialização e, futuramente, no mestrado.
Colecionismo saudável é indício de bagagem cultural e boas amizades.
“Como toda criança, eu sempre fui muito atraído por formas e cores de objetos variados. Gostava muito de observar principalmente as cores em peças e brinquedos. Lembro-me de quando tinha entre quatro e cinco anos, já reunia objetos e brinquedos de cores próximas para organizar e brincar”, relembra Joner Dias.
Sua primeira paixão por “peças seriadas” foi aos cinco anos quando foi comprar doces em um bar próximo de sua casa e ficou fascinado pela diversidade de cores e brilho das bolas de bilhar. “Sempre me lembro dessa cena, algo que ficou bem marcado na memória”, observa o designer.
Dos porquinhos-cofre de plástico do extinto Banco Banestado aos soldadinhos de plástico que vinham de brinde em doces, às famosas coleções de figurinhas dos chicletes PingPong, Joner contabilizou milhares de peças. Ah, os respectivos álbuns da goma de mascar os acompanham até hoje!.
“Há algum tempo cheguei a organizar cerca de quarenta temas diferentes. E sim! Pesquisava e organizava todas elas. Dedicava uma época para cada coleção, enquanto as demais ficavam expostas ou guardadas. Essas coleções eram uma forma interessante que eu tinha de aprender sobre todo o tipo de tema: História, Geografia, Ciências, atualidades e claro o que me fez dedicar uma pesquisa sobre o tema de desenho industrial/desenho de objetos, que conheci por meio de uma revista de profissões e posteriormente me influenciou na escolha pelo Design”.
Joner não permaneceu com todas as coleções agrupadas ao longo dos anos. Algumas foram doadas ou leiloadas em redes sociais, mas outras são seus “xodós”. “Uma das primeiras que iniciei, nos anos 90, e que continuo nas aquisições, foi a de miniaturas de carros e motocicletas, que hoje estão com mais de 100 peças”..
Os famosos álbuns de figurinhas da extinta marca PingPong (Pantanal, Amazônia, Fundo do Mar, Rei Leão, entre outros temas); bonecos de séries japonesas como os Power Rangers, Cavaleiros do Zodíaco e Samurai Warriors; os soldadinhos de metal da série de miniaturas da Kinder Ovo; as famosas coleções de tazos (marca registrada da Elma chips); álbuns de figurinhas do futebol (Copas do Mundo e outros campeonatos); gibis de diversos personagens nacionais e internacionais e edições antigas e raras de algumas revistas são alguns dos tesouros de Joner.
Numismática
“As coleções que atualmente dedico um tempo na organização e pesquisa são os livros de leitura e didáticos, os objetos antigos que faço restaurações e a mais importante no momento, que são as coleções de cédulas e moedas do Brasil e do mundo”.
O estudo em torno de coleções de cédulas e moedas é um ramo da ciência denominado numismática. Joner é um numismata oficialmente reconhecido, pois é associado a alguns grupos específicos para organizadores e colecionadores, o que lhe possibilita vender, comprar e leiloar cédulas e moedas novas ou antigas.
Colecionador X Acumulador
Joner conta que definir os limites entre o colecionador e o acumulador é motivo de polêmica. “Eu sempre cito um artigo publicado em 2008 na revista Psicolog com o título: Colecionismo, fronteiras entre o normal e o patológico de autoria de duas psicólogas Mónica Ferreira e Regina Wielenska. No início do estudo elas afirmam que a grande similaridade de significados ocorre com muito mais frequencia aqui no Brasil, pois “ […] na língua inglesa, no contexto psiquiátrico, denomina-se “hoarding” ao comportamento patológico de acumular, desorganizadamente, grande quantidade de objetos. Em português não há consenso de nomenclatura; o termo colecionismo é utilizado tanto para descrever comportamentos considerados saudáveis quanto os comportamentos patológicos, caracterizados por compulsão para a aquisição e/ou armazenamento de objetos sem funcionalidade aparente.”
De acordo com pesquisadores sobre o assunto, os colecionadores não-patológicos, geralmente sentem orgulho de suas coleções e consideram agradável, mostrar e expor suas peças aos demais. De outro modo, no colecionismo patológico essa atitude é exatamente contrária. Os portadores dessa patologia sentem vergonha dos seus objetos mal armazenados, buscam esconder essas peças, evitam que pessoas visitem suas casas e escondem também dos demais essa compulsão.
O professor Joner salienta que colecionar de modo saudável é uma atividade socialmente reforçada, citando exemplo de coleções que afunilam-se em torno de uma característica do objeto principal, como coleções de selos, camisetas de banda, latas de cerveja importadas e outras.
“Conheço pessoas que colecionam apenas cédulas que têm impressas a efígie da rainha da Inglaterra, ou seja, as demais peças simplesmente não têm espaço nessa coleção. Mesmo que sejam cédulas da Inglaterra, mas se não há o tema da Rainha, não faz parte da coleção. Mas o “hoarding” ou quem pratica o colecionismo patológico, apresenta um aspecto compulsivo, em que o paciente sofre ao resistir a essa tendência de armazenamento indiscriminado e acaba por comprometer o seu convívio social”, detalha.
Ainda diferenciando o colecionismo sadio daquele doentio, Joner destaca que diferente de acumular, “colecionar é organizar, pesquisar e deixar como legado informações concretas por meio da linguagem dos objetos, bem como fatos sobre uma determinada época de uma determinada cultura”. Coisa que um acumulador jamais conseguirá fazê-lo com o devido zelo e cuidado para com os objetos que possui..
O Colecionismo No Mundo
A linha tênue que separa o colecionismo saudável daquele compulsivo dificulta a evolução do estudo em termos de Brasil. “Mas acredito que em pouco tempo, mais pesquisas, teses e estudos sobre a identidade dos dois temas, os conceitos serão concretizados e distanciados como ocorre em outros países”, explica o professor.
De acordo com o mesmo, na Europa, por exemplo, o colecionismo é considerado uma ciência, digno de disciplinas em universidades respeitadas. Apesar de estar na “lanterna” do colecionismo, no Brasil há estudos já centenários das chamadas coleções clássicas como selos, moedas, cédulas, quadros, gravuras, jóias e outras. “Mas a total abrangência de pesquisas que estudam este fenômeno de maneira mais abrangente, como também pesquisas com relação ao comportamento do consumidor de objetos colecionáveis ainda é bem recente”, ressalva Joner.
O pesquisador destaca que nos demais países da Europa e também nos Estados Unidos, a importância da cultura material, das coleções em museus e os processos de pesquisas e curadorias, são levados muito a sério, pois, os objetos possuem uma linguagem única que determina, por meio dos seus aspectos visuais e táteis, informações e a história de um determinado período de tempo. “E isso identifica a cultura de uma região, de um povo e de um país”.
Clubes De Colecionadores
Atualmente Joner participa de duas associações relacionadas à Numismática. A AFNB – Associação Filatélica e Numismática de Brasília e a SNB - Sociedade Numismática Brasileira, essa última é uma das sociedades mais antigas e respeitadas da América Latina, com mais de 90 anos. “Quando você se associa a uma organização de colecionadores desse nível, as possibilidades não são apenas de encontrar amigos e contatos que te levam a aumentar as peças da sua coleção, mas muito pelo aumento das informações e acesso às pesquisas e bibliografias sobre o tema”, explica Joner. Em sua concepção é isso que eleva uma coleção ao status de uma “profissionalização” e não tão somente a um amontoado de objetos seriados numa pasta ou numa caixa.
“A minha coleção de cédulas e moedas, por exemplo, depois da minha entrada nessas associações, ganharam peças importantes e raras tanto do Brasil como de outros países, coisa que levariam anos para eu conseguir acesso a essas peças sem uma boa pesquisa e consultoria de colecionadores antigos. Hoje na coleção tenho moedas do Brasil Império datadas de 1770 à 1890, cédulas do Império Russo de 1800, cédulas de polímero dos Territórios Polares, as novas moedas de polímero de uma região separatista no leste europeu chamado Transnístria, entre outras peças raras e importantes”, orgulha-se ao citar peças que contemplam informações ricas da história e cultura tanto do Brasil como do mundo afora.
Além das novos exemplares, Joner busca o conhecimento que ele adquire através de pesquisas e informações coletadas, e ainda ganha de bônus boas amizades com pessoas ao redor do mundo. Um de seus amigos, com quem troca informações, cédulas e moedas de cruzeiro e real do Brasil é um senhor - bancário aposentado - que vive numa cidade no interior da Grécia. Essa inter-relação com pessoas que compartilham do mesmo hobby é muito positiva para o crescimento próprio, como a humildade o respeito e reconhecimento para com os colecionadores mais experientes, com acervos interessantes.
“Por isso que eu sempre digo que colecionar é transformar o passatempo em cultura e nossas coleções em História”..
Colecionando Conhecimento
É claro que, para você oficializar-se como um colecionador, uma simples reunião temporária de objetos não é o suficiente para lhe transformar num “amante” de objetos seriados..
Os conceitos de adquirir e colecionar são bem mais amplos do que os conceitos de comprar e consumir. Em outras palavras, para o colecionador, consumir um objeto é adquirir e expô-lo como uma peça importante para a sequência da coleção. O que reforça a teoria de que os objetos não possuem apenas as funções pré-estabelecidas para o seu consumo usual.
Objetos têm linguagens, se comunicam por meio de suas formas, e a maneira de como essa linguagem atinge o colecionador é uma forma com mais significados do que os intrínsecos a ele. A experiência que Joner adquiriu ao longo dos anos lhe permite afirmar que ao iniciar uma coleção, o principal requisito é a informação..
Atualmente Joner está estudando, pesquisando e elaborando artigos e textos explicativos sobre esse vasto comportamento do consumidor denominado colecionismo, nas diversas áreas como na psicologia, design, marketing, história e cultura. “Portanto quem tiver dúvidas, curiosidades e opiniões sobre o tema fiquem a vontade para me enviar qualquer conteúdo ou questões, que responderei o que tiver ao alcance das minhas pesquisas.” Interessados podem manter contato pelo email: jonerdias@gmail.com
“Pesquisar, buscar informações, aprender sobre o objeto de interesse e o mais importante, o grande prazer não é completar uma coleção, é adquirir devagar cada item. Deixar as peças mais raras e automaticamente mais caras para uma fase posterior da sua coleção. Estudar e conhecer cada peça da sua coleção. Valorizá-las todas como parte importante dessa coleção, só assim você terá mais interesse em mantê-las organizadas e ativas no conhecimento e nos relacionamentos com os demais colecionadores do mesmo tema que você. Porque só assim: organizada! A sua coleção será admirada por você e por quem a conhecer!”..